Autor: Gregorio Baremblitt
O tema deste trabalho é de uma importância vital na situação mundial contemporânea. Abordar esta questão apresenta uma série de dificuldades devido a enorme complexidade do assunto, sendo sumamente difícil reunir os dados necessários para dar lhe um tratamento do tipo “demonstrativo”. Por outro lado, é evidente que qualquer tentativa de estudo e de pronunciamento a este respeito, não pode de maneira alguma, ser enfocado a partir de uma especificidade em particular, especialmente para atribuir as determinações correspondentes a esse saber, à condição de determinantes únicos ou “em última instancia”, dos meandros desta problemática. De qualquer maneira, para desenvolvê-la de maneira simples e conceitualmente esclarecedora, é preciso começar por desmistificar certos preconceitos, que no meu entender, impedem toda caracterização e avaliação realista do tópico. Por outra parte, e preciso desistir de apelar de modo sistemático e assumido a convincentes análises, produzidos na atualidade por brilhantes autores, para limitar-se a constatar ou não, (como proporemos) se os chamados “clássicos”, foram, nas suas obras, tão insuficientes ou equivocados como se afirma.
Em primeiro lugar, é indispensável rejeitar por completo qualquer diagnóstico que pretenda atribuir as conclusões que eventualmente se obtenha, à condição de otimista ou pessimista. Uma menção a esse tema se há tornado incontornável. A nomeação do qualificativo otimista está destinada primordialmente a consagrar aqueles resultados, que coincidam com a leitura que praticam as forças dominantes, que se beneficiam com o estado atual de coisas. Ser otimista, hoje, acostuma apenas a impulsar a os que acreditam ver um sucesso no desenvolvimento de um setor do mundo atual sem preocupar-se em absoluto pela tragédia provocada pelo mesmo no resto do mundo.
A atribuição de pessimismo está encaminhada a desqualificar indiscriminadamente todo raciocínio ou conhecimento, que contribua para evidenciar a gravidade da situação que vivemos e para orientar ações concretas dirigidas a modificá-lo. Em outras palavras, ainda que seja óbvio que a esta altura dos questionamentos da idéia de “objetividade” não se possa pretender nenhuma certeza absoluta, pelo menos é possível assumir que, as investigações desta natureza e suas conclusões, se inscrevem inevitável-mente em um campo de lutas inflamadas e irreconciliáveis: não existe neutralidade, e o que é ótimo para uns, é péssimo para outros e vice-versa. O dito não descarta que talvez, em longo prazo, como veremos, o panorama descrito possa manifestar-se pessimamente catastrófico para todos, ou que melhore muito mais o menos localmente para alguns, mas o que parece provável é que, ou nenhum otimismo está justificado, ou deve-se abandonar por completo esse tipo de qualificações.
E igualmente importante reconhecer, que o citado panorama é tão amplo como heterogêneo, e em processo de aceleradíssima e heterogênea transformação. Isto apresenta acentuadas dificuldades para sua compreensão. Por exemplo: é ostensivo que na contemporaneidade mundial, coexistam Modos de Produção (dito no sentido mais amplo possível: econômicos, políticos, de subjetividade, etc) correspondentes aos mais diversos períodos históricos e dotados das mais contrastantes peculiaridades. Tão pouco se pode ignorar que sua coexistência os interpenetra e influencia mutuamente, tornado-os atípicos no que diz respeito a suas formas originais de implantação nas formações sociais. É igualmente certo que tanto essa realidade, como seu conhecimento, apesar da tão mencionada orientação globalizante, continua sendo um conjunto, em muitos aspectos difuso, fragmentado e disperso.
Mas, tendo em conta todas essas ressalvas, me proponho sustentar enfaticamente algumas premissas que considero essenciais como ponto de partida para o pensamento acerca desta problemática e que foram enunciadas 150 anos a trás:
1) A pesar do citado gigantismo e polimorfismo não e certo que não se possa detectar tendências gerais prevalentes, sem supor sua fatalidade, mas sem ignorar seu peso.
2) Apesar da poli e transdeterminação que descarta causalidades em “ultima instancia”, ao qual deve ser agregada a incontestável e decisiva intervenção do acaso, não e certo que não se possa estabelecer determinações universais predomi-nantes no panorama atual.
3) A pesar de que toda futurologia se tornou inviável e até cômica, e necessário e possível deixar constância de alguns “futuríveis” imagináveis que as tendências atuais pré-figuram.
4) A pesar da incessante emergência de novidades absolutas nos mais diferentes aspetos do devir (especialmente na tecnologia) que fazem indispensáveis novas modalidades do saber e do agir, é importantíssimo refutar a propaganda político epistemológica que pretende decretar á obsolescência de certos conhecimentos e ensaios históricos convalidados (digamos “clássicos” que não perderam de modo algum sua vigência).
È exatamente um pouco dessas “verdades” que gostaria de retomar sinteticamente, para interrogarmos acerca de: em que é possível basear-se para proclamar sua suposta caducidade contemporânea ou dito ao contrário, para reafirmar sua radical pertinência para diagnosticar e avaliar o horizonte de nossos dias. Tentarei recordar brevemente algumas das afirmações básicas de três grandes autores do fim do século passado, a fim de aplicá-las a uma caracterização do Capitalismo planetário em vias integração (conceito este que tomei, levemente modificado, de Gilles Deleuze e Felix Guattari), testando assim seu grau de pertinência. Por razões expositivas, as citações não serão literais, e é claro que sua formulação e interpretação são de minha exclusiva responsabilidade.
Tratarei de sintetizar alguns postulados fundamentais de Karl Marx, tão conhecidos na cultura contemporânea, como estúpida ou astutamente descartados pelas elites intelectuais tecno burocráticas “inventoras” da “racionalidade dominante”.
A) Com a finalidade da produção e reprodução da vida humana sobre a terra, os homens estabelecem entre si relações necessárias, obrigatórias e independentes de sua vontade. A estrutura que adquirem tais relações determina a qualidade e quantidade que essa vida obtém, tanto quanto como da que carece.
B) O conjunto de características sui generis que cada uma dessas estruturas e seu funcionamento impõe às citadas relações e a seus resultados, recebe o nome de Modo de Produção da Vida e se define pela maneira e o grau em que é capaz de inovar, propiciar, deter ou destruir as infinitas manifestações dessa Vida.
C) A essência dos Modos de Produção inclui entre seus fatores produtivos, reprodutivos e anti-produtivos, a existência de diversas contradições. Tais contradições, de acordo com sua resolução, ou não, em determinados momentos e conjunturas, podem funcionar como promotoras ou como deletérias.
D) O Modo de Produção Capitalista da Vida é um Sistema que leva em si mesmo dentro dos limites interno e externo de seu desenvolvimento o germe de sua própria destruição. O limite interno pode ser definido como a existência de homens vivos para protagonizar os processos próprios desse Modo. O limite externo pode ser resumido como o esgotamento de espaços e contingentes, nos quais o Capitalismo possa ser estendido, assim como a dificuldade crescente ou a impossibilidade definitiva de reproduzir as condições simples ou ampliadas para existir como tal, ou seja, de continuar gerando e acumulando capital, ou funcionando exclusivamente segundo a citada lógica. A magnitude desses limites e essa destruição dependem de múltiplos avatares e de contradições antagônicas, mas a principal, é a que se estabelece entre o desenvolvimento das forças produtivas de toda espécie e a estrutura de todos os tipos de relações sociais de produção (formas políticas, jurídicas, organizacionais, de subje-tividade, de alteridade etc.).
E) Porém essa fórmula clássica deve ser interpretada de maneiras contemporâneas que em nada desvirtuam os sentidos dados por seu inventor a mediados do século XIX. Em sua medula, essa contradição se refere á que se estabelece entre a produção social de bens, serviços e todos os recursos para propiciar e aperfeiçoar a Vida (em especial a humana) e o objetivo dado pelo capitalismo a tal produção. Como modo de produção no sentido restrito, industrial, agrário, financeiro, cultural etc., o capitalismo está regido por um axioma fundamental consistente em que toda a produção, apropriação, distribuição, troca, consumo e gozo de bens, atos e ações humanas devem ser modulado de maneira em que se tornem mercadorias, que sejam passíveis de equivaler a dinheiro e a entrar em circuitos que as levem a gerar mais dinheiro, sendo que o objetivo último asintótico desse axioma é que o dinheiro produza dinheiro com o menor número de mediações possível.
A Megamáquina assim montada só funciona se avança no sentido antes enunciado, e dizer só “caminha” em quanto conseguir ampliar, extensiva e intensivamente os processos que geram mais dinheiro e eliminar os que o impedem ou dificultam. É sabido que classicamente, o capital se definia como a apropriação e acumulação da riqueza produzida pela força de trabalho humano não pago pelo salário ou outras formas de remuneração. Em princípio poderia pensar-se que todo o resto da realidade estaria apenas modulado para criar condições para que esse fim último se agentes trabalhadores, e de protagonistas de todas as operações necessárias para a citada finalidade: os instrumentos, equipamentos, organizações, estabelecimentos e práticas tenderiam ao mesmo destino. A lógica que preside a estrutura e funcionamento do Estado, da família, dos campos da saúde, da educação, da segurança, da comunicação de massas, da religião, da administração do tempo livre, da arte, do esporte e das relações humanas em geral, se orientaria na direção do crescimento e concentração do capital. No obstante, es possível encontrar elementos na bibliografia clássica para demonstrar claras intuições de:
1) Que o conceito de produção deve ser ampliado e que todos os componentes da realidade, de uma maneira ou outra, e em maior o menor proporção histórica são produzidos (embora que não necessariamente segundo o modelo industrial ostensivo, nem moderno nem pós-moderno).
2) Que o aperfeiçoamento das máquinas também produzia uma modulação e um incremento quantitativos e qualitativos da produção e da mais valia, sendo que suas “famílias” de máquinas atuam não apenas através das inumeráveis formas da automação, senão também da informática, a telemática a robótica etc.
3) Que (só como exemplos), a distribuição, troca oferta, demanda, consumo e gozo, também são produzidos e devem ser-lo de acordo com a lógica do capital.
4) Que a extração de mais valia podia realiza-se em “todos” e cada um dos âmbitos, passos, momentos etc. da vida social e “natural” e acumular-se como capital (capital agropecuário, industrial, financeiro, comercial, de conhecimentos, de prestígio etc etc. embora que o mesmo sempre possa ser comensurado em termos de dinheiro.
5) Que “todos” os modos históricos de produção da vida (dito num sentido amplo), apresentam sua modalidade de extração e acumulação de riqueza e que coexistem na atualidade, sendo que todos devem ser modulados a serviço da lógica do capital e gradualmente absorvidos por ela até extinguir-se.
6) Que se bem o capital apresenta uma distribuição individual ou coletiva, modulada em territórios de classe, nacionais, civis, estaduais, personalizados, anônimos etc a tendência prevalente e que as organizações do capital se tornem supra nacionais, supra estatais, monopólicas e anônimas e crescentemente financeiras.
7) Que a democracia formal indireta, hetero analítica e hetero gestionarias representativa, nas suas modalidades republicanas, federativas, presidencialistas, parlamentaristas, monarquistas constitucionais etc. é o regime político mais funcional ao capitalismo. Não obstante o mesmo pode desenvolver-se durante a égide de governos ditatoriais e ainda totalitários, sempre que os mesmos sejam partidários e estejam orgânica-mente aliados e apoiados pelas sedes nacionais e supra nacionais do capitalismo avançado.
8) Que os múltiplos processo de andamento do Capitalismo nas suas diferentes fases, sempre apresentaram fenômenos, a maioria das vezes explicáveis (e outras não), de crises (econômicas, políticas, culturais, subjetivas etc). Essas crises acostumam a eclodir como generalizadas (a nível nacional, regional, continental ou mundial) em complexa relação com os chamados ciclos do capitalismo, nos quais, períodos de crescimento local ou geral, se alternam com outros de detenção ou decadência. Estes fenômenos podem acontecer qualitativa ou quantitativamente a nível da economia, (hipo ou hiper produção), a nível da política econômico financeira (inflação, deflação, estagnação, desvalorização o hiper valorização excessiva das moedas, endividamento extremo público e privado nacional e internacional, inadimplência ou insolvência dos devedores e até catástrofes naturais, esgotamento de fontes energéticas e de matérias primas, epidemias ou pandemias vegetais, zoológicas ou humanas com bruscas variantes demográficas etc.
9) Que as crises, apesar de só tornar-se evidentes depois de certo limiar histórico de visibilidade, a rigor são continuadas, embora que com um percurso subliminar. O capitalismo não só vive em crise, senão que, em certa medida, vive das crises, cuja resolução envolve sempre a extinção de parque humano e de força de trabalho, de estados e soberanias nacionais, de modalidades e recursos de produção e consumo, de redistribuição e concentração da riqueza, do poder e do prestígio. E sabido que as crises tem um potencial, tanto consolidatorio do capitalismo em todos seus aspectos, como “regressivo” (a modos históricos, dito em sentido amplo, “anteriores”) ou “progre-ssivo”, entendendo por tal o advento de fases superiores do capitalismo ou vários processos reformistas ou revolucionários (segundo como se defina revolução). Em suma, a máquina capitalista funciona descompondo-se.
10) Que diversos processos de destruição, mais ou menos deliberada e controlada, estão vinculados (causal, temporal, geopolítica etc.) as crises e ciclos. Entre eles as guerras de diversos portes, médios, fins e protagonistas, acostumam estar íntima, embora que variavelmente ligadas às fases das crises e a os distintos momentos dos ciclos, e nesse sentido podem ter caráter de preventivas, “moderadores”, dissimulatorias, intensificadoras ou, por vários caminhos, resolutivas. Em suma: as guerras (próprias do capitalismo), estão relacionadas, de complexas maneiras, aos processos de expansão, de distribuição, de fracasso parcial e de resistência ou vontade de transformação do capitalismo em “todos” seus aspetos.
11) A pesar de que o capitalismo dispõe não só dos mecanismos mencionados, se não de muitos outros para combater as crises contínuas e ostensivas, nenhuma das resoluções obtidas se consegue sem uma diminuição relativa da taxa de extração de mais valia, ou seja, a suma do lucro, a renda e a ganância que se consegue no seu conjunto mundial, por relação à massa total de capital investido. Se bem tal diminuição e um dos processos mais importantes na previsão de possíveis cenários para a decadência a começo local e depois de alcance mundial do capitalismo, como este composto de modo de produção, regime político, e sistema de representações junto com seu poder de destruição, tem uma enorme produtividade, flexibilidade e inventividade, é muito difícil prever as vicissitudes e desfechos de sua tendência entrópica. Concomitantemente é igualmente árduo e incerto, prever quais são e serão as modalidades e as magnitudes de processos de resistência, reforma, insurreição, subversão, substituição, revolução etc que podem vir a intensificar, acelerar ou simplesmente eliminar sua vigência histórica. Do mesmo é ingênuo tentar imaginar que modos de produção de subjetividade e de subjetivação advirão nessa era.
12) È sabido que, na geopolítica contemporânea, depois da extinção do bloco da União Soviética, (grande ensaio falido de revolução comunista, com fortes componentes imperialistas, totalitários, burocráticos, bélicos, repressivos, genocidas, péssima administração e inércia produtiva. A guerra fria. A dicotomia ideológica, geopolítica e econômica, a composição e distribuição do mundo se reformulou espetacularmente. A Megamáquina do capital “vislumbrou” a possibilidade de tornar-se global. A mais valias extraídas segundo diversas maneiras geopolítico econômico culturais (liberal e neoliberal nos EEUU, conservadora e social democrata no bloco europeu, neo despótica nos países do eixo, estalinista, maoísta, e asiática no arquipélago oriental e no ex-império soviético, post-neocolonial, no chamado terceiro mundo, celebraram a possibilidade, do início de um capitalismo planetário, se não unificado, pelo menos integrado.
Os Estados seriam minimizados, eficientizados abaratados, definitiva, completa e ostensiva-mente subordinados as entidades supra nacionais – e ao livre fluxo de investimentos do capital.
A imensa superioridade do poderio bélico norte americano e de seus aliados europeus asseguraria a ordem (seja á adoção, voluntária ou não, á antigamente chamada democracia burguesa, seja a fé em que a mão invisível do mercado esculpiria espontaneamente a riqueza das nações).
Por sua parte os povos aceitariam a servidão, voluntária ou não, ao império da livre concorrência, trocando trabalho, (cada vez mais qualificado, menos necessário e pior pago), por um consumo rescrito aos pudentes, supérfluo e descartável modulado pela produção mediática da demanda. Em quanto o resto, abandonado pela crise do Estado de bem estar, a automação, a irracionalidade da desregularão das taxas demográficas e a concentração urbana, se extinguiria por si mesmo.
Com numerosas viscitudes que no podemos detalhar aqui, a década de 80-90 pareceu confirmar modestamente essas expectativas.
A meu entender, a maioria absoluta das premissas, dos raciocínios e das conclusões que inspiram a breve análise anterior, acertadas ou não, pertencem á esfera do pensamento de Marx. O que tal vez ele não podia prever, e não o fez, foi: a) o fracasso do primeiro grande experimento comunista soviético, devido principalmente á hipertrofia perversa do Estado. No obstante é oportuno lembrar que antes das confrontações da Primeira Internacional, era visível que na obra de Marx existia uma ambivalência entre as estratégias auto gestionarias a-partidárias como as da Comuna de Paris e as ortodoxas de “tomada do poder de Estado pela vanguarda organizada como Partido do proletariado. Essa apropriação do poder estatal “lacaio do capital” (com sua posterior extinção gradual), não lhe permitiram antecipar o acelerado ocaso dos Estados nacionais devido ao avanço do capital, que já esta ocorrendo e irá, sem duvida acontecer. Por outra parte, é sabido que a aposta de Marx no proletariado industrial e na expropriação dos meios de produção, jamais excluiu, mas nunca deu a devida importância, ao papel das minorias singulares nem aos movimentos de massa no processo revolucionário.
Quando Marx fala do “desenvolvimento das forças produtivas”, a impressão que dá é que se refere sim a influencia que podia chegar a ter a sofisticação dos meios de produção e a nova divisão social do trabalho sobre a capacitação geral do proletariado, sua capacidade de análise, de organização e de militância. Em vários parágrafos Marx se refere à automação e a sua capacidade de desocupação, mas isso não atinge a importância duradoura que atribui à força de trabalho humana.
Marx previu claramente o advento da Fase Superior do Capitalismo (que é a que vivemos), mas me parece que para ele o capitalismo hegemônico seria sempre o industrial, o que já não acontece e está em caminho de não acontecer definitivamente.
A teoria marxista não se prestava para conceber a produção de outras mais valias que não fossem as extraídas da força de trabalho humano. Embora disso, tal vez seja interessante lembrar aqui que á mais valia maquínica (produto da potencia da automação e das maquinaria ultramoderna, não deixa de remeter ainda ao componente de força de trabalho humano que insume a produção de autômatos, que por sua vez produzem autômatos.
O grande pesquisador alemão não soube predizer teórico-politicamente a inauguração revolucionaria no “elo mais fraco”, e nenhuma das mazelas acima recordadas do estalinismo.
Como é sabido, Marx não dispunha de una teoria não especulativa e científica do sujeito e do desejo. Sua situação tópica das representações subjetivas e do sujeito a nível da superestrutura, era coerente com sua tópica general do Modo de produção em sentido amplo, sua concepção diabética do devir do ser e seu principio materialista de que o ser determina a consciência, sendo que a consciência e a razão eram as principais funções constitutivas do sujeito. È sabido que a ideologia, especialmente a de classe eram o suporte da reprodução simples e ampliada do capital e retroagiam dialeticamente sobre a infra-estrutura. A ideologia era definida como uma falsa relação entre o sujeito e sus condições reais de existência. Estava mais ligada ao engano e ao adotrinamento de uma classe pela outra. Mas isso não impediu que junto com Engels ou da sua própria pluma, escrevesse inesquecíveis obras de análise da ideologia, como por exemplo “A questão judia”. Isso seguramente limitou sua compreensão de numerosos fenômenos, mais, digamos de direito que de fato. “Descobrimentos” tais como o fetichismo da mercadoria, e a “Gênese do valor” já mostram claramente a possibilidade da intervenção de funções subjetivas ideológicas nos processos infra-estruturas. A “seqüência” das conceições de Comte, Weber, Durkheim e Pareto, e paralelamente as de Keines, Renan, etc, tem muito mais de re cozinhado do que parecem.
Mas o que Marx principalmente intuiu, mas não podia predizer era: a) a possibilidade de uma fase de capitalismo planetário em vias de integração. b) a velocidade geométrica desse processo e a exponencial dos desenvolvimentos tecnológicos, especialmente á invenção das armas atômicas e de redes de controle eletrônicas extraterrestres, cujo poder determinante nas modalidades da guerra e no equilíbrio de forças bélicas, tem sido essencial na expansão geopolítica do capitalismo c) a importância que haveria de adquirir a área dos serviços, e da propriedade da produção das tecnologias de ponta como fonte direta de extração de mais valia, reservada aos países centrais. d) me parece que Marx tampouco antecipou certeiramente, tanto as realizações como as limitações do Estado beneficente na social democracia, assim como o mecanismo de incorporação voluntária das aristocracias da classe operaria na extração de mais valia (participação nos lucros, investimentos financeiros dos fundos de pensão etc), a terceirização, o enfraquecimento, desmobilização e constituição dos sindicatos por empresa, o crescimento exponencial do lumpen proletariado, a corrupção generalizada, as alianças entre governos, empresas e máfias organizadas etc.
Dentro de nosso propósito de revisar someramente as contribuições dos clássicos do último dos séculos acerca da questão do trabalho e da produção de subjetividade e de subjetivação, tocarei apenas agora a posição do que pedimos se nos permita denominar o “patinho feio” das correntes históricas sobre o particular. Trata-se do anarquismo. Se o comunismo pode ser considerado o grande derrotado dos últimos séculos, o anarquismo pode ser a respeitosa mais humoristicamente chama do parente pobre (o bobo), do pensamento mundial que inspira as considerações sobre o tema que nos ocupa.
Sabe-se que existiram pensadores e militantes anarquistas desde o século e antes de Cristo. Alguns do pré-socráticos podem ser considerados anarquistas. Anarquismo provém de uma palavra grega que significa, sem poder ou sem autoridade nenhuma. A doutrina, as estratégias e as práticas anarquistas vão variando junto com as “fases” ou “períodos” da Historia de ocidente. Não obstante tem temas que se mantém através de todas essas transformações históricas. Doutrinariamente, por exemplo, sempre se encontra a vinculação entre anarquismo e utopia, ao menos entendida como a luta pelo advento de uma realidade futura, cujas peculiaridades descritivas não são antecipáveis e não estão programadas, mas cujos valores e idéias são relativamente invariáveis. Mas esse futuro e ele mesmo entendido principalmente como um porvir ético, político e não cronológico. Suas potencias estão presentes (e tem estado sempre) em estado de irrealidade, abafados pelo predomínio das entidades, processos e valores autoritários e impositivos.
O anarquismo é, a nosso entender, apesar das críticas que se lhe fazem, como veremos, (mais que de espontanismo) de total imediatismo e improvisacionismo, algo como um fantasma moral ao mesmo inexistente e intangível, esse espectro mora em todos e cada um dos cantos e pequenos espaços do edifício da modernidade ocidental, como uma lenda, demasiado ingênua como para ser tomada a sério, mas também parafraseando a Sólon, “como uma vespa imaterial sobre o lombo de um arrogante cavalo, para mante-lo acordado”. Mas, por outra parte, em alguma forma contrastante com as citadas, o anarquismo pervive na atualidade desse “edifício”. Persiste como um baú cheio de intuitos e de propostas, do qual a tecno burocracia e a política profissional descendam envergonhadamente pelas noites para roubar alguma idéia. Tais idéias serão ou não postas em prática, segundo o jogo de forças em vigência o faça necessário e possível, sempre que se possa atribuir sua invenção ao espírito criativo da democracia contemporânea e dentro da modesta variabilidade histórica dos seus limites reformistas.
É sabido que as variedades do anarquismo tem, mais ou menos em comum, uma atitude crítica radical, de todo aquilo que considere impedimento para o exercido da liberdade do “indivíduo” tanto quanto a do conjunto dos mesmos, o coletivo. A nosso entender, a definição anarquista da liberdade é um problema teórico – e muito mais prático, não resolvido. Tende a ser entendida como a criação de condições para o exercido autônomo, independente e soberano das escolhas subjetivas e objetivas de existência que cada sujeito, por “natureza”, contém potencialmente dentro de si. Tal definição não poderia ser proposta, se não tivesse como premissa a convicção de que o homem que conquista sua liberdade (não aquele ao qual a mesma lhe é “concedida”) saberá usa-la para que sua sociedade subsista e seja um coletivo no qual cada indivíduo respeite que o beneficio da liberdade seja o único privilegio de todos. Mas acontece que essa disposição primordial, os critérios meios e fins para assumir-la e tela como razão e paixão de existência para os “indivíduos”, não nasce integramente feita, deve ser cultivada pela educação. Essa formação, por sua vez, não pode ter outros meios que aqueles que persegue para a promoção de um “homem” libertário pleno. No processo de educação tem prioridade absoluta, onipresente e ubíqua a noção de essencialidade e de viabilidade de exercitação da liberdade. O aluno poderá participar protagonicamente, em cada momento e em cada item do processo educativo, da invenção dos mesmos, da deliberação acerca da sua implantação, da sua adoção por consenso, da sua avaliação continuada e das modificações que requere em função dos objetivos principais antes assinalados. Sempre se fará o possível para que os conteúdos transmitidos durante o ensino, sejam “descobertos” e não recebidos passivamente, mas, em todo caso, e ainda com risco de ser acusados de confundir ensino com adoutrinamento os conteúdos terão sempre uma dimensão de “pretexto” para a prática da livre curiosidade de saber aquilo que pode ser empregado para construir livremente a vida que se quere ter.
Não é por casualidade que todos os historiadores do anarquismo coincidem em dar um lugar proeminente a Rosseau, tanto nessa concepção do homem e do mundo como da educação. Mas acontece que dita educação, se bem pode ter uma determinada etapa formal, ela continua durante a vida toda, na medida em que incessantemente se deve aprender a viver de acordo com os citados princípios.
Na literatura anarquista da a impressão de que ambigüidade com a qual se define liberdade, está incluída de propósito, para que o individuo aprenda a dar-lhe a acepção mais oportuna em cada conjuntura da vida, que melhor sirva sua realização no sentido dos ideais antes apontados.
Não se trata, como muitos pensam ou dizem que pensam, de um desconhecimento ou de uma negação da acumulação social de experiência e de saber historicamente produzido. Trata-se da convicção de que, seja qual seja seu brilhantismo e eficiência, o mesmo estará modulado, por não dizer contaminado, com o não emprego pleno do índice de liberdade disponível, seja no passado ou no presente. Essa postura de negação a priore que se acompanha de um “estar contra”, que tem sido motivo de condenação, de medo e de burla, é estranhamente sutil. Não é uma demonstração de onipotência nem de arrogância. Também não necessariamente de niilismo (embora tem havido associações históricas entre essas duas posturas). Eu acho que é uma expressão, alegre e dionisíaca, embora que amiúdo muito dolorosa nas suas conseqüências para quem a sustenta, de que “isso que está aí” poderia ser inimaginavelmente melhor. Se não o é, não são as limitações “naturais” do real o que impõe suas insuficiências, senão o que á renuncia a liberdade, a servidão voluntária, como dizia La Boethie, o que lhes imprimiu sus alcances. A negação inicial categórica é um momento do uso da liberdade que não implica que a reformulação do problema e a solução do mesmo terão forçosamente a forma e o conteúdo contrários ou simetricamente opostos a vigente. O espírito anarquista não nega para superar o já dado, nega para ajudar-se a ignorá-lo e liberar o mais potente de sua condição: a capacidade de inventar.
Outro aspecto do anarquismo que tem provocado muita polemica, mas que também é assinado por seus detratores como seu principal defeito, é sua concepção de organização. Não pretendo dizer aqui nada demasiado original ao respeito, apenas ressaltar o seguinte: não se trata de que o anarquismo, por princípio, esteja contra toda organização. Ele nega as organizações em vigência, especialmente as dominantes, porque entende que as mesmas, em enorme proporção, são produto intimamente coerente com o fato de provir de um contrato, e que esse contrato resulta da constituição de uma transação na qual jamais se adotou a melhor decisão, se não ao menos ruim. Isso e dado como inevitável, porque o contrato é visto como resolução de uma confrontação na qual a diferença não está dada pela variedade de propostas em torno da realização do mesmo principio ético, senão pela desigualdade de forças, uma mais capazes que outras de impor sua tessitura. Quando os mais fortes (no sentido do poder de dominação) fazem um contrato, sempre é porque o mesmo lhes é, transitoriamente, menos oneroso que uma “guerra”. Entre os autênticos homens não pode haver contratos, deve ter compromissos, palavra dada, consenso por adesão unânime obtida por laboriosa, mas ativa convicção e não por renuncia resignada. A posição dos fazem contratos, embora que seja entre dois “fortes”, inevitavelmente está formulado segundo as possibilidades que permite pensar o horizonte do que é real segundo o define o poder.
Em quanto à organização e ao planejamento, a estratégia, logística, tácticas e técnicas, é bem interessante começar por reconhecer que a desobediência e a insubordinação massivas e inesperadas, a insurreição, a subversão etc tem sido a característica de muitas ações, desde militantes a cotidianas do anarquismo. Mas é inteligente pensar que as mesmas estiveram dadas pela intuição coletiva de justiça e sua enorme potência de contágio, e não como resultantes da aplicação deliberada de uma opção única e fanática. Para apoiar essa hipótese, pode ser ilustrativo contrastar essa tática, aparentemente imediatista e espontaneista, sem plano de continuidade nem de “vitória final”, com o valor que os anarquistas atribuem ao tempo nas diversas práticas mais conspícuas de sua existência e de seu ideário. Como a necessidade e concebida segundo valores, não acéticos, nem puritanos, mas sim modestos igualitários e solidariamente distributivos, á concorrência produtiva e mercantil carece de sentido. Se aceitamos resumir no “time is money” liberal e neo liberal, a lógica do manejo estatal e mercadológico do tempo no capitalismo, os procedimentos de discussão ate chegar ao consenso, a proposta de assembléia e de educação continuada etc, jamais mesquinham tempo. Figuradamente se pode dizer, novamente, que são meras “ocasiões)” para o aprendizado continuado da escuta das razões e para o afetar e ser afetado pela justiça dos argumentos e a liberdade do outro.
Em termos mais atuais poderíamos afirmar que, com subjetivações assim produzidas, tal vez não é preciso planejar antecipadamente, nem ter preparado como continuar um evento disrruptivo. Se os anarquistas confiam em que, chegado o momento, já inventarão como prosseguir é porque foram formados a vida inteira para isso. Noções tais como “maturação” das circunstâncias, ou se estão ou não “dadas às condições”, não lhes dizem nada, porque o que pode acontecer depende muito mais do que eles possam aportar de novo que da avaliação do que se supõe que “se” pode ou do que já está aí. Relacionado com isso está o problema das alianças. Os anarquistas sempre têm praticado muito poucas, tal vez historicamente com os sindicatos e ainda com ressalvas. As mesmas se devem a todo o exposto, mas especialmente ao fato de que não consideravam como Marx que essa classe, organizada como tal seria o motor da revolução. Não sendo entusiastas da revolução, senão de uma mutação contínua da realidade, estavam convictos de que era uma missão de todos, e não para ninguém em especial.
Com acreditamos pode entender-se nesta breve síntese, o anarquismo não é, nem muito menos, uma proposta de intelectuais, embora que existam muitos intelectuais anarquistas. Trata-se de uma concepção econômica, política, cultural e subjetivante de vida.
E certo que alguma vez o anarquismo, no máximo dos paradoxos, adquiriu um matiz religioso. A rigor, a esta altura da post modernidade, e sua profusão de religiões, Igrejas, seitas e facções: imperialistas, empresariais mono e oligopólicas, politiqueiras, integralistas, fundamentalistas, terroristas, delinqüências, e até revolucionarias tercermundistas, nada teria de assombroso encontrar-se com uma anarquista. E bem provável que todas as Iglesias tenham aspectos anarcoides que tal vez seja o melhor que possam oferecer a seus fiéis. Mas antes de procurar uma Igreja ou raízes religiosas no anarquismo seria mais fecundo fazer a genealogia anarquista das religiões e suas organizações.
È difícil resistir-se a refinar e sintetizar o anarquismo com fórmulas atuais do tipo de que se trata de uma concepção e de uma práxis contraria a toda forma de exploração, dominação e mistificação e partidária da auto analise e da autogestão.
A colagem que aqui tenho realizado entre algumas propostas de Malatesta, Kropotkim, Godwin e Bakunin (por apenas falar em os mais próximos) e um taxativo modo de produção de subjetivações, no campo do trabalho e em toda a extensão da vida.
Quantas das grandiloqüências “atuais” lhes perten-cem, não obstante eles detestavam a propriedade privada e a herança das idéias e das coisas?
No que se refere ao trabalho, e público e notório que o anarquismo tem uma postura muito estranha e original. Para certo anarquismo o trabalho como sistemático, universal e essencial -é uma peste induzida no homem pelo poder secular e pelo transcendental. Essa afirmação, tomada isoladamente, também tem sido motivo de sarcasmo. Mas dentro do conjunto da proposta anarquista, se entende inequivocamente que não é contra o trabalho em si que os anarquistas se rebelam; é contra o trabalho imposto, não escolhido livremente e por própria vontade -e com as características que tal escolha independente lhe conferiria a toda tarefa. No se pode negar a proximidade entre o que os anarquistas entendem e denunciam como trabalho imposto e o que os marxistas chamaram trabalho alienado. Mas têm importantes diferenças. Poderia-se dizer que o trabalho que os anarquistas propunham agora, e o trabalho que os marxistas esperam que exista no insituável futuro no qual a ditadura do proletariado deixe seu lugar ao socialismo. Para o anarquismo, não se trata apenas da apropriação do produto do trabalho por uma classe que não trabalha, seja essa á proprietária dos médios de produção ou a tecno burocracia política de Estado e de partido. A crítica anarquista à produção e organização de trabalho “alienado” aponta a que os mesmos não compõem, e ainda destroem, um estilo de vida no qual trabalhar e uma atividade que em nada se distingue de todas as outras, cujos meios, objetivos e sentido, são a produção do homem livre, solidário e autônomo.
Nas conclusões desse escrito tentarei mostrar como o Capitalismo planetário em vias de integração, com sua extraordinária capacidade de apropiar-se de todo aquilo que lhe serve para subsistir, sempre que possa podá-lo à vontade do que incomoda, vai exumando ao anarquismo de maneiras mais o menos minimalistas às vezes até grotescas.
Por último, completando o tripé no qual queria apoiar-me para denunciar uma espécie de taxidermia da cultura que gestão contemporânea prática com os grandes mestres do passado imediato, permitir-me-ei evocar algumas das postulações principais de Friedrich Nietzsche. A meu modo de ver Nietszche não era propriamente um crítico do capitalismo, tal fenômeno histórico não lhe interessava tanto como para atacá-lo como tal.
Quando o genial filósofo reconhecia nos seus fulgurantes textos, a perspectiva da “morte de Deus”, cujo coveiro definitivo tal vez tenha sido Feuerbach, fazia para anunciar a iminência da morte do Homem. Nietzsche escancarava que estavam dadas as condições para a extinção de uma “imagem do ser humano”, que havia sido construída no Ocidente por uma longa tradição, principalmente a judeo-cristã-protestante, base ideológica da Modernidade e de suas expressões históricas, tanto Capitalistas como “Socialistas”. Nietzsche anunciava o seguro desaparecimento de formas de subjetividade, de alteridade e de sociabilidade (de “cultura” e “civilização” ), que haviam sido produzidos como peças de uma concepção da Vida e exaltadas como universais e eternas (ou apenas passíveis de insignificantes variações), sendo que, a rigor, apenas eram formas “vitoriosas”, e claro está, de um “triunfo “a la Pirro”. Se a genealogia tinha desmiuçado á imagem do homem escravo de seus deuses, correspondia fazer o próprio com o homem endeusado no seu saber científico e sua organização social estatal piramidal. E se os mesmos já sofriam os efeitos da decepção da modernidade, melhor ainda porque deram origem a um homem a quem os diversos desencantos do mundo tinham levado a cultivar um nada de vontade ou uma vontade de nada.
Trata-se em geral de imagens compostas, em diversas proporções e modalidades, de um Homem que sendo essencialmente débil, culpado, carente, indefeso, impotente, dependente, – e por tanto ressentido, está rodeando de inimigos. Uma natureza que lhe é hostil, sua própria natureza que não o é menos, à dura índole dos deuses dos que espera proteção, à dura “natureza” da lei e das organizações coletivas que se deu para equacionar as ameaças antes citadas, o duro trabalho manual e/ou intelectual, único recurso que tem para vencer aos citados adversários.
Imagens de Homem que oscilam entre a escravidão perante esses amos naturais ou sobrenaturais, ou a identificação mais ou menos megalômana com eles. Obediente, e por tanto separado de sua potência, o revoltado, mais amargado pelo ressentimento que entusiasmado por certa “fé” nas suas forças, esse é o Homem “que deve morrer”, para que nasça o super homem, pleno de vontade afirmativa e de forças ativas. Mas morrer não implica “ser morto”, se não “matar-se” a si mesmo, empregando uma composição de sua vontade negativa e suas forças passivas, a predomínio da sua vontade de potência e das suas forças ativas.
O Homem dionisíaco que sabe valer-se do apolíneo para maior gloria de Baco. Alegre e leve, inventor incessante da Vida, capaz de arriscá-la pelo pleno querer de lago, mas não de sacrificá-la pela mera supervivencia. Dentro dessa “natureza” nada era mais antipática a Nietszche que a subordinação judeo-cristã ao trabalho e muito menos ainda a idealização protestante do mesmo. Que pesaria o colosso acerca de trabalhar para fazer dinheiro ou para sobreviver?
Que maior e melhor crítica se pode achar a figura do Homem do Capitalismo planetário integrado, tanto na sua versão opulenta e despótica, dona do poder e do saber, como na “pequeno burguesa” equilibrista e decadente, como na enorme massa dos descartáveis, especialmente os resignados “Ave César: muorituri te salutano”. Todos desigualmente submetidos ao Deus abstrato do equivalente geral.
Não obstante, me parece que a Nietszche, para quem a filosofia não chegaria a ser tal, até que não conseguisse devir criança, dançarino e música, e até que não inventasse outros modos de expressão que o logos como phoné e a escrita linear da semiologia do significante, não chegou plenamente lá. Seguramente Nietzsche não gostaria desta ocorrência minha, teve na historia dele algo de Moisés. Feroz combatente contra o Estado, o mercado, a igreja e a academia não alcançou a ver o Canaan de novas subjetivações que já não tivessem nada de Homem, nem de Super homem, figuras essas humanas, ainda demasiado humanas. Se vivesse hoje tal vez se surpreenderia com os movimentos de massas que parecem estar criando um indivíduo multiplicitario, muito mais que individual ou coletivo, a verdadeira aristocracia nômade, que ele almejava, e não a aristocracia móvel e veloz dos capitais especulativos.
Mas o que, entre tantas outras coisas, me parece perfeitamente atual em Nietszsche, e o que pode aportar-nos para compreender, como o Capitalismo mundial integrado faz uso dos neo-arcaísmos e de seus imagens de homem, tanto para torna-os o “eixo do mal”, como para metamorfoseá-los em mercadorias exóticas e em pretextos para declarar um estado de guerra contínuo, ubíquo e disseminado, que justifique o boom da indústria armamentista e a expropriação de petróleo como “salvadores” da crise presente.
Por último tal vez ninguém como Nietzsche poderia dizer-nos, contra as considerações empolgadas dos comunicólogos, que fazer com a colossal massa de “homens com vontade de nada”, que a mídia produze exponencialmente com uma eficiência indiscutível.
Não necessito enfatizar em que não sou, nem de longe, o único que tem empreendido a tarefa aqui presente de lembrar a absoluta vigência do que o chamado “pensamento único” do neoliberalismo contemporâneo (e não só ele), pretende sepultar como “antiguidades”, ou exumar como “relíquias”.
Por outra parte, extraordinários pensadores aos que aqui não me sinto nem com autoridade para citar, tem escrito obras incomparáveis sobre Marx, Bakunin e Nietzsche. Bom ou ruim empregados, boa parte do aqui dito o devemos a eles. Não obstante, o entusiasmo de certa indústria bibliográfica e jornalística acerca destes grandes mestres do século XIX, não sempre destaca neles o mais genialmente virulento e inspirador para a crítica e a mutação do panorama atual. Devemos reconhecer que é difícil que algo não se torne, direta o indiretamente, mercadoria ou fogo fátuo.
È bem possível que o aqui exposto não se torne, nem revulsivo, nem comercial, apenas por falta de talento e/ou de marketting.
Não importa demasiado.
O tenho querido enfatizar é que:
1) O mundo vive uma etapa na qual está em condições concretas de quase eliminar a miséria, a pobreza e a descartabilidade da face da terra. Isso quer dizer: eliminar a fome, a falta de moradia, a ignorância, a doença, a prostituição, a tóxico-dependência, a delinqüência, a exclusão, a marginalidade, a marginação, o racismo, a xenofobia, a injustiça, a tortura, a guerra, o genocídio, a degradação ambiental e subjetiva. Nem falar do trabalho deletério: deficiente em qualidade e quantidade de tempo, de remuneração, de estabilidade, de segurança, de salubridade, de criatividade, de cooperação, de solidariedade, de aprendizado… assim como de descanso, tempo livre, arte esporte, diversão, sociabilidade etc.
2) Ilustres sociólogos afirmam que a sociedade mundial atual é uma sociedade de trabalho (dentro das classificações específicas que eles manejam). Vamos supor que assim seja.
No ano 2000 a ONU publicou a informação de que existiam 40.000 transnacionais de grande porte. As 100 maiores delas controlavam um quinto de todos os ativos dessas corporações no mundo. É difícil de assegurar a seguinte informação, mas, ao parecer, essas corporações manejam mais da metade da economia mundial.
Desde 1990 até a atualidade, o crescimento dessas multinacionais, realizado a través de novas fundações, fusões, alianças, parcerias estruturais ou provisórias, compra de novas empresas falidas ou não etc etc. segue uma progressão e uma velocidade, que permite calcular que, no ano 2030, mais do 80 % da atividade econômica estará em mãos dessas multinacionais. A quantidade dessas entidades que opera exclusivamente no setor financeiro puro, e a da que está atrelada às empresas produtoras de bens e serviços é duvidosa, porque tem mecanismos para ser ocultada, mas se calcula que um 40 % são exclusivamente financeiras, e a metade delas são independentes.
Está absolutamente demonstrado que, o processo de globalização, implica fundamentalmente que tais empresas, para operar, podem escolher a vontade: a) os países e lugares onde: os impostos são menores ou não existem b) os salários são mais baixos e a legislação trabalhista é mais desrregulamentada (os executivos e técnicos, de alta qualificação são trazidos das filiais mais próximas. c) o mercado interno oferece algum poder de consumo dos produtos e serviços oferecidos e) a remessa de lucros para os centros financeiros não tem restrições d) o país mesmo escolhido e um paraíso fiscal onde podem ficar depositados lucros não declarados. f) os sindicatos são fracos ou pelegos e não defendem a classe trabalhadora g) o regime político, ou é democrático manipulado e corrupto de maneira Pex. Que o mesmo partido está faz 30 anos no poder, ou é ditatorial, mas subserviente aos EEUU ou outros países opulentos. h) o Estado local não faz restrições à entrada nem a saída inconsulta dos empreendimentos e também não ao índice de automação dos processos produtivos. g) os salários dos altos funcionários dessas corporações são entre 200 e 300 vezes maiores que a dos baixos trabalhadores. h) Os lucros das companhias têm vindo aumentando em torno de 24% ao ano, especialmente das financeiras. g) no mundo inteiro, os últimos dez anos, têm se notado uma tendência ao aumento da produção com diminuição do emprego e com baixa dos salários. f) As empresas, particularmente as européias, têm reduzido o horário de trabalho para seis horas, para poder dar cabimento aos desocupados. g) o desemprego tem aumentado sistematicamente na ultima década em quantidades que vão desde o 5% nos países ricos, ate 20 % nos paises do capitalismo chamado “tardio” ate 50 ou mais % nas nações francamente subdesenvolvidas ou em crise. h) o trabalho infantil, o escravo e o informal se mantêm ou aumentam na maioria dos países, desenvolvidos ou não. Para esse tipo de trabalho contribui muito as emigrações internacionais clandestinas e os êxodos do campo para as grandes cidades. i) os subsídios dos países ricos, e especialmente para certas empresas agro pecuárias para que não produzam, é um indício inequívoco da saturação do mercado e da preferência pelos produtos mais baratos importados, produzidos nas condições leoninas antes apontadas j) pela inversa, o protecionismo dos países ricos que preferem pagar mais caros os produtos para não ter que desativar indústrias ou serviços locais e não aumentar a desocupação são também sugestivos. l) a desvalorização dos produtos com pouco “valor agregado” (matérias primas, alimentos etc) -e o astronômico valor dos de alta tecnologia, assim como os dos royalties, patentes etc. é um dos maiores indicadores da caída dos salários da enorme maioria dos trabalhadores “braçais” e da concentração dos altos salários num universo muito reduzido de técnicos. j) a indecente afirmação de que passamos de uma sociedade sem empregos, mas com muito trabalho, sobre todos para os que tem tido que se pagar uma formação polivalente e versátil, é uma grotesca maneira de dissimular a culminação do processo de transferência do ônus da formação e reprodução da força de trabalho, do capital ao trabalhador k ) para que falar da vergonha dos bloqueios comerciais a países no capitalistas com o pretexto de que seus regimes políticos não são democráticos. Nada disso impedia subvenciona-los quando eram aliados contra o comunismo. l) finalmente: a grande diversidade de situações que apresenta a decadência do Estado de bem estar e dos benefícios previdenciários, seguro desemprego etc. não pode ser mais expressiva.
Corresponde responder aos sociólogos que citamos: se esta é uma sociedade de trabalho, devemos perguntar obrigatoriamente, por quanto tempo.
Em suma: no século XXI vivemos num mundo em que os pobres são cada vez mais e mais pobres, os ricos são cada vez mais ricos e anônimos, isso ocorre com as pessoas físicas, com as empresas e também com os países, e com os orçamentos por setores. As quantias, gastas em armamentos, e em drogas tóxicas, em propaganda, eleitoral, em oferta de componentes para uma segurança impossível, de produção de demanda de produtos e serviços luxuosos, falsamente novidosos e rapidamente descartáveis… é infinitamente maior que a destinada á ajuda a os povos famintos, miseráveis ou destruídos pelas guerras.
Para avaliar a situação atual e preciso escolher sensatamente seu parâmetro de comparação. Fazer julgamentos do tipo de “se agora estamos melhor ou pior que na Idade media, na Renascença ou durante ou na crise do 1930, e completamente inexpressivo.
Em vários outros escritos tenho insistido em que a avaliação do Capitalismo Mundial em vias de integração, para ter um mínimo de sentido, deve ser comparado com as possibilidades reais das que o mundo contemporâneo dispõe, sobre todo tecno científicas, e as soluções que poderiam oferecer para o bem estar mundial, no estado no qual se encontram atualmente. A capacidade produtiva mundial é de um poderio jamais atingido, e se fosse bem direcionada poderia solucionar uma incalculável proporção dos sofrimentos e dificuldades que afetam a “huma-nidade”. Ou seja: temos chegado, ao mesmo tempo, a cúspide da potência produtiva e ao apogeu, brilhante e pomposo da reprodução e da anti -produção.
O grito do general espanhol, durante a guerra civil ibérica: “Viva a morte”, ressoa por detrás de todos os discursos grandiloquentes das inumeráveis convenções diplomáticas.
Agora bem: para tratar a questão das subjetividades, dentro do panorama descrito, adotemos provisoriamente uma definição (modificada) de Guattari sobre subjetividades, que diz que se trata de instancias, capazes de autorreferencia, de construção de alteridades igualmente subjetivas e de territórios existenciais e universos abstratos de valor.
Cabe lembrar que estamos falando de equipamentos e de dispositivos, que podem até constituir sujeitos, mas que não se definem por eles.
As subjetividades produzidas pelo citado panorama são (a grandes traços) a) As coniventes, para as quais por exemplo, todo o que acabamos de expor neste artigo não significa nada novo, mas aderem aos argumentos e atuações do pensamento único assumidamente, por convicção ou por cinismo b) as reformistas, as que tampouco dizemos nada que não saibam, e que se dividem nas que sinceramente acreditam que todo isto pode melhorar com o aperfeiçoamento do mesmo, ou as ingênuas ou as hipócritas, que confiam, ou mentem que confiam, no humanismo, à beneficência, à filantropia, à compaixão, à piedade, etc. A este respeito não se pode deixar de mencionar e de diferenciar, as atividades generosas de certas organizações do chamado terceiro setor, as de certas Igrejas, as dos Estados dos países ricos e incluso as das empresas, que tem descoberto o valor publicitário da “preocupação” social. Nada disso e desprezível para as massas que o precisam, pero seu efeito político subjetivante é uma perigosa arma de dois gumes, que ao mesmo tempo em que atenua os efeitos estruturais genocidas do capitalismo planetário em vias de integração, produzem subjetividades esperançosas e adormece a produção de subjetivações radicalmente críticas e mutativas. c) as desesperadas, que “esco-lhem” o caminho da delinqüência (ou seja, da amadora e mal sucedida), do escapismo (o isolamento material ou espiritual, esteticista, masmediático, ascético ou hedonista), do suicídio lento (jogo, alcoolismo, tóxico-dependência, erotomania, enfermidade física ou mental, ou auto eliminação rápida e direta. d) as indiferentes, que em diversos graus e modalidades, seguem vivendo sua vidinha convencidos de que todo isso e alguma ficção que não os atingirá. e) as temerárias, que se lançam a aventuras supostamente revolucionarias, o mais longe ainda terroristas, cujos procedimentos são tão indiscriminadamente cruéis como os do stablishment e cujos resultados são igualmente destrutivos, a curto, meio o longo prazo.
E importante destacar que o complexo capitalismo planetário integrado, no âmago da produção de subjetividades, a meu entender obedece a uma montagem maquínica essencial que desconhece e não domina.
Em princípio se trata de um dispositivo mundial a) cujo modo de produção (no sentido estrito) continua sendo industrial, com sua divisão entre produtos tecnológicos de ponta e capital de saber privilegiados por seu “valor agregado” (por um lado) e produtos básicos extrativos energéticos, de matérias primas ou de subsistência básica desvalorizados (pelo outro) b) seu regime político e a democracia indireta representativa c) seu sistema da representação do cinismo com produção das subjetividades acima descritas d) sua divisão em três blocos opulentos e um “resto do mundo” em desenvolvimento lento ou em morte anunciada e) sua concentração de riqueza e de poder (especialmente militar nos EEUU, encarregado de impor por quaisquer meio o citado dispositivo).
Mas esse dispositivo está infundido por uma máquina abstrata cuja orientação e transformar-lo todo, em capital financeiro (monetário, fiduciário, cartorial bursatil etc). A hegemonia dessa máquina abstrata se pode ilustrar (apenas como exemplo), nos recentes fraudes das 18 maiores companhias norte americanas, a corrupção das agencias de consultoria e avaliação financeira, e a total desapreensão com a que o presidente Bush admite que vai conceder os contratos dos empreendimentos de reconstrução de Irak as corporações que pagaram sua campanha eleitoral. Isso seja dito tomando em conta que a despesa de um bilhão semanal que custa a conquista, saem dos cofres do Estado.
È certo que o poder, o saber e o prestígio é o que está em jogo, mas: Marx tinha razão, é o dinheiro como meio e como fim, o que determina esses processos. Mas, se pode falar de um “alem” do dinheiro, o Amo absoluto é a operação de equivalência, e dizer, de comensurabilidade de valores e realidades reduzíveis a quantidades numéricas. O “inimigo” são os simulacros inteiramente singulares e incomen-suráveis e não traduzíveis a quantias equivalentes, que seria impossível introduzir no circuito da mercadoria e da compra venda.
A produção dominante de subjetividades reprodutivas e antiprodutivas que correspondem a essa configuração mundial, não podem senão ter como seu eixo principal a servidão a esse Amo, ou sua descartabilidade para esses fins. As subjetividades que empiricamente chamamos “individuais”, “de grupo”, “de organização”, de “classe” que sirvam para esses fins, tem toda a liberdade constitucional para entrar no jogo para o qual foram feitas, e podem fazê-lo respeitando as regras do mesmo, ou desrespeitando-as, sempre que tenham poder e a astúcia suficiente.
As outras, inadaptadas, também tem uma liberdade relativa, (sempre que não ataquem demasiado efi-cientemente a ordem constituída, a propriedade privada, e a “pessoa” dos proprietários, o que é o fundo do que se acostuma a denominar “nosso estilo de vida” ocidental. No que se refere ao trabalho, elas tem a liberdade para competir, sozinhas ou associadas para isso, sendo que os dispositivos que as geram (família, escola, fábrica, cultura etc.) das que as subjetividades são uma das líneas de montagem e também um produto, estão todas estreitamente atravessadas entre si -e infundidas por essa lógica. Produtividade, consumo, obediência ou renuncia, e o que se exige delas.
No capitalismo avançado existe, em proporções variáveis, todo tipo de recursos e dispositivos para fazer sua autocrítica (sindicatos, comunicação de massas, ate associações civis etc) e tal autocrítica é feita, regularmente, pelo Estado, o mercado etc. Mas ela serve apenas para confirmar as vantagens da livre expressão na democracia indireta Mas, em geral, são inoperantes, porque essas entidades estão estruturadas para fazer o que fazem, e nenhuma transformação de fundo pode esperar-se delas.
Não nos deteremos demasiado nas peculiaridades dos sujeitos e seus outros das subjetividades assim produzidas. Tem uma vasta tipologia psico social elaborada ao respeito nos últimos anos; personalidades ou traços: narcisistas, border line, falsos self, perversos, ávidos, vorazes, invejosos, ciumentos, fúteis, ocos, inseguros, exibicionistas, vouyeristas, erotomaníacos, megalômanos, sexo quimio oo sociopatas, corpólatras, individualistas e pseudo sociáveis, submissos e autoritários, carreiristas, mitômanos, sedutores, manipuladores, compulsivos, etc etc. Desde um outro angulo predispostos a depressão, ao pânico, a paranóia, a hipocondria, as dependências etc etc.