ANÁLISE E INTERVENÇÃO INSTITUCIONAL

Autoras: Dalva Aparecida Lima e Érika Riani

A Análise e Intervenção institucional é um processo feito com coletivos de quaisquer naturezas, cujo objetivo é propiciar que esse grupo que se torne capaz de auto-analisar-se e de gerenciar suas próprias questões.

Chamamos de auto-análise ao trabalho de fazer com que os participantes de quaisquer coletivos utilizem seu próprio saber para fazer o levantamento de suas reais necessidades e de seu potencial para resolvê-las, com ou sem a ajuda de um especialista convidado pelo grupo, e merecedor de sua total confiança. Esse aspecto é importante porque o conceito de análise e intervenção institucional está fundamentado sobretudo no fato de que cada coletivo possui um saber que lhe é próprio e também uma capacidade para reconhecer aquilo que constitui problemas em seu seio, e que esse conhecimento não deve vir de cima, nem de fora, e, sim, das circunstâncias do grupo.

A capacidade de solução dos problemas levantados também deve ser buscada entre as potencialidades dos componentes do grupo, que vão inventar as estratégias de solução para os mesmos. Em alguns casos, há necessidade de inclusão de outro saber mais especializado, vindo de fora do grupo, mas esse especialista deve ser buscado entre aqueles que partilhem dos objetivos e das crenças mais fundamentais acerca da filosofia da intervenção institucional. Ou seja, esse “expert” não pode estar submetido aos ditames dos poderes e instituições que estão no comando das vidas das pessoas, contaminados pelos seus princípios antidemocráticos e/ou a serviço dos mesmos. O coletivo deve ter isso em conta quando for convidar alguém para ajudá-lo em suas tarefas.

Num grupo dessa natureza, a questão da hierarquia, liderança ou poder de mando deve estar muito clara e bem estabelecida porque é muito diferente do que ocorre nas instituições historicamente constituídas, onde um pequeno grupo tem o poder de ditar as ordens a serem cumpridas por todos os demais.

No caso do chamado Movimento Instituinte, que agrega várias correntes da Intervenção Institucional, um dos aspectos mais importantes é a visão de que a liderança é emergencial, isto é, alguém do próprio grupo possui um talento ou conhecimento especial para uma ou mais fases ou estratégias do trabalho e vai destacar-se naturalmente num determinado momento, executando a habilidade que lhe é própria e retornando à condição de mero participante tão logo sua especificidade não seja mais necessária. Os demais passos serão definidos, decididos e executados conforme a decisão de todo o grupo.

A Intervenção Institucional tem uma segunda fase, que não ocorre depois da primeira, mas se inicia e se propaga junto com ela, que é a autogestão. Por esse nome, entende-se a estratégia de fazer com que o grupo se torne capaz de gerir todos os seus passos rumo à solução de seus problemas, e até mesmo todos os possíveis entraves com que se depararem no decorrer do processo.

Enfim, a análise institucional pretende intervir nos grupos e coletivos de quaisquer naturezas a fim de fazê-los descobrir e colocar em ação todo o seu saber a cerca de si mesmos, não só para que os participantes descubram aquilo que constitui suas verdadeiras necessidades, o que está travando o alcance não só de seus objetivos como também de seu próprio crescimento enquanto indivíduos e componentes de uma verdadeira equipe.

Para um trabalho de intervenção institucional, são utilizados conceitos, filosofias, idéias e princípios de várias ciências, teorias e disciplinas que tratam das questões grupais, como, por exemplo, a Psicologia, a Pedagogia, a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Psicanálise, entre outras.

O Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte, mesmo baseando seu trabalho em todos esse leque de saberes, pauta-se sobretudo pela Esquizoanálise de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Por Esquizoanálise entende-se uma das correntes do Movimento Institucionalista, que consiste num processo de investigação, de produção de conhecimentos e de aplicação dos mesmos para transformar o Mundo, entendido no sentido tanto da organização social, como política, econômica, da subjetividade dos homens e ainda das máquinas que modificam por completo a relação homem/natureza.

Trata-se de um saber extremamente complexo e abrangente, que pensa o mundo, a vida, os indivíduos e os grupos de uma forma bastante peculiar, diferentemente das escolas filosóficas tradicionais que serviram de matriz para todo o pensamento ocidental. Segundo esses autores, o que move o mundo de fato não é a razão, tal como foi considerada a partir de Descartes e do Iluminismo. O mundo é movido pela produção desejante, ou seja, que a vida é puro desejo de produção, de intensidades que buscam sobretudo criar e fazer surgir o absolutamente novo.

Não seríamos capazes de nos estendermos mais sobre os inúmeros conceitos extraordinários da Esquizoanálise, não só por sermos ainda iniciantes nesse conhecimento, como também porque, por mais que escrevêssemos, não seríamos capazes de resumir com justiça o pensamento de Deleuze e Guattari, autores de uma obra tão extensa como abrangente e complexa.

O importante é deixar claro que a Esquizoanálise nos permite trabalhar com intervenções institucionais, na certeza de que todo grupo que queira isso pode fazer movimentar seu desejo de produção do novo para constitui-se num coletivo rico, democrático, capaz de convier com o diferente sob qualquer forma, aproveitando o potencial dessa diferença para colocá-lo a serviço dos objetivos do grupo, promovendo o crescimento de todos os participantes em seu interesse pelas coisas da vida, do trabalho, da produção, da criação.

O objetivo é chegar a criar um grupo-sujeito em oposição que mais existe por aí que são grupos assujeitados. O grupo-sujeito, segundo Felix Guattari é o que se constitui como uma Utopia Ativa, capaz de gerar suas próprias leis para realizá-la e de construir a si mesmo durante o processo, tendo sempre presente sua finitude e perspectiva de sua própria morte.

Por Utopia Ativa entende-se o “conjunto de metas e objetivos mais altos e nobres (no sentido dado a esse termo por Nietzsche) que orientam os processos produtivo-desejante-revolucionários dos movimentos e agenciamentos sociais em seus aspectos instituintes-organizantes. Essas metas não estão colocadas em um futuro remoto, terminal nem do tipo que são enunciadas como escatológicas (Fim da História ou Fim dos Tempos). Na Utopia Ativa há uma imanência entre fins e meios; o processo produtivo-desejante-revolucionário é seu próprio fim e meio aqui e agora” (Baremblitt, 1992).

Pensar nas foças que movem as instituições é um processo de auto-análise que o grupo poderia colocar em prática em seu aqui e agora, as forças que tendem a transformar as instituições são as forças “Instituinte”, o produto e resultado que é gerado por estas forças é chamado de “Instituído”. O instituinte é um processo produtivo-desejante, de característica dinâmica enquanto o instituído é o resultado desse processo e que tem característica estática e estável. Sobre estas características é importante dizer que não significa que o instituinte seja bom e o instituído seja ruim, embora seja verdade que por suas naturezas o instituído tem uma disposição a não mudar e o instituinte aparece como uma atividade revolucionaria, criativa e transformadora, na realidade não teria sentido este jogo de forças se o instituinte não se materializasse no instituído e por outro lado o instituído não seria funcional se não estivesse permanentemente abertos a potência do instituinte. Na Escola o grupo de professores pode colaborar para reproduzir as coisas como estão e mante-las da mesma forma e assim estará colaborando com a permanência da mistificação, exploração e dominação, mas também este grupo pode funcionar permitindo que suas produções e diferenças (forças instituinte) tomem corpo e se materializem, podendo por exemplo criar um sistema de ajuda mutua entre os professores no que se refere aos projetos e metas, formar um agrupamento político-escolar, formar um sistema de maior união e colaboração entre os alunos, e também na relação escola e comunidade, nesse sentido a escola pode aproveitar o seu potencial mais produtivo e fazer deste espaço um lugar de luta, de exercício de solidariedade, de cooperação, informação e liberdade.

Esclarecendo um pouco mais o termo Utopia Ativa, para o trabalho levado a efeito pelo Instituto Felix Guattari, de Belo Horizonte, nós acreditamos que um mundo melhor do que este que habitamos ainda é possível, que a justiça, a liberdade, o respeito entre as pessoas de todas a classes e níveis, a vivência amorosa entre os diversos tipos de sujeitos e o aproveitamento do potencial criativo de todos são valores ainda resgatáveis.

A intervenção institucional que fazemos é “um” dos caminhos para essa Utopia Ativa, e esse mundo novo só é possível de ser construído através da vivência aqui e agora dos valores contidos em nossa utopia. Nosso trabalho, portanto, é desenvolvido observando essa ética, que fundamenta todas as nossas ações com indivíduos, grupos, organizações e redes sociais. E cada uma dessas intervenções feitas numa pequena parcela da sociedade, é contabilizada como correspondente a pequenas revoluções moleculares, como entendia Guattari, capazes, ao fim e ao cabo, de constituir e aproveitar as linhas de fuga para mudar o infeliz estado de coisas que a humanidade criou para si mesma até o momento.

 

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2004

 

 

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