A PAZ COMO ESTADO E COMO PROCESSO

Autor: Gregorio Baremblitt

Acostuma-se dizer que a liberdade é um valor histórico que consiste na amplitude e diversidade que o espectro e grau de escolhas disponíveis proporcionam à vontade “Humana” para conceber e executar suas decisões. Assim definida cabe discriminar que a Liberdade pode ser entendida em tanto relativa e/ou absoluta. Enquanto relativa, a Liberdade está sujeita a todo tipo de determinações, quer dizer, a limitações e constrições naturais, sociais, econômicas, políticas, jurídicas, culturais, subjetivas etc. Neste ponto, a liberdade pode ser compreendida: tanto como consciência da vigência de causas e leis que regem os respectivos campos nos que será exercida, como a apropriação cognoscitiva e pragmática dos recursos existentes para a efetivação das opções escolhidas e das consequências desse exercício. Sob essas premissas e que se pode falar de uma liberdade para “mexer” com o Real, com o Possível e ainda para tentar o Impossível. Nesse nível é que se costuma dizer que existe uma liberdade de e uma liberdade para. Ou seja: um conjunto de atos de toda classe destinados a libertar-nos das imposições de quaisquer “natureza”, e outro conjunto de atos de toda classe encaminhados a fazer um uso positivo da liberdade obtida para a transformação daquele aspecto da existência e do existente que desejamos alterar. Cabe aqui observar que, entre as leis e causas as que acabamos de referirmos, têm algumas que se consideram, seja eterna, ou seja, historicamente inamovíveis (Universais), que apenas podem ser parcial e provisoriamente contra efetuadas, assim como tem outras que se podem levantar ou superar definitivamente. Mas é preciso também constatar que muitas causas e leis que são consideradas inamovíveis em um tempo e lugar, chegam a ser perfeitamente removidas em outros, e que, ocasionalmente, também pode ocorrer o contrário. É indispensável assumir que, o primeiro que se precisa para poder avaliar a liberdade de que dispomos e de eventualmente poder exercitá-la, e de poder pensar, sentir tanto o que já não queremos e o que agora não podemos, como o que queremos e podemos, quanto, por que, quando, como etc. Mas também é formidavelmente importante poder pensar a liberdade como absoluta. Quase todas as civilizações se têm empenhado em convencer a seus integrantes de que a liberdade absoluta não existe, (que é uma ideia doentia ou malévola), ou não melhor dos casos, de que a liberdade absoluta consiste apenas em que, ainda dentro das possibilidades existentes, a decisão final depende da Vontade de quem escolhe, para seu bem ou para seu mal, e isso configura a famosa imagem do “livre arbítrio”. Alguns exemplos típicos de essa colocação é a que nos da a escolher entre o Estado e o Mercado, entre a Virtude e o Pecado, entre a Lei ou a ilegalidade… Mas a liberdade absoluta existe, sim. Consiste substancialmente no poder que nos é dado ou, melhor dito, que podemos acreditar que temos, de revolucionar o horizonte do que se nos apresenta como real, possível e impossível. Implica em acreditar que nós podemos pensar o impensado porque está suposto como impensável, sentir o insensível ou jamais sentido, imaginar o inimaginável ou jamais imaginado, e assim poder chegar a desejá-lo e talvez a fazê-lo, de maneira de dar a pensar, sentir, imaginar e querer aos outros, e quem sabe a propiciar que muitos, juntos, o façam. Essa é a liberdade absoluta, mas não é absoluta porque não tenha limites, nem porque “possa todo” (cada todo mesmo acostuma a ser uma crença universal, eminente e transcendente ), senão porque vai além de todo limite numerável, estabelecido, convalidado, legalizado, consagrado. È a liberdade do uso dissonante de nossas faculdades, sendo que, nesse processo, cada uma delas pode funcionar por separado e acabar ressonando com as outras produzindo efeitos transversais totalmente imprevisíveis e imprescindíveis, de forma que se começa sentindo, ou intuindo, ou imaginando, ou querendo, ou pensando, ou fazendo algo absolutamente insólito, e se acaba pensando, imaginando, querendo, intuindo, sentindo e fazendo algo completamente novo. E para que esse funcionamento prodigioso aconteça, não é preciso nenhum “senso comum” ou “bom senso” ao qual subordinar o processo para unificá-lo, ordená-lo e submetê-lo ao que se considera real, possível e impossível. Pelo contrário, é esse “bom senso” ou “senso comum”, o horizonte que ele traça, o que impede o processo, ou o exercício da liberdade absoluta. O que se precisa é de certa Fé, da extraordinária Fé de que isso pode devir e acontecer, e de se pode apostar nisso, mas para isso é preciso querer, ter paixão pelo impensável, pelo inimaginável, pelo inimaginável, pelo insensível, e, especialmente, pelo ainda não dito nem feito, que invariavelmente é o indispensável. A história demonstra que a Imagem do Real, do Possível e do Impossível (sua extensão dimensional e seu tempo cronológico) jamais deixou de mudar e que a modernidade na qual vivemos, não apenas realiza o impossível, senão que até avança além do próprio horizonte desenhado por esses três termos, ou seja: atualiza um virtual inconcebível. Mas o panorama atual demonstra também, paradoxalmente, que vivemos num mundo predominante de “apostadores”, que têm exacerbado ao infinito sua Vontade e sua Fé no apostar, apenas que apostam no que não deveriam. Porque seja no que seja que apostem, em última instância, sabendo ou não sabendo, apostam no dinheiro, que se tem tornado sinônimo de “bom senso” ou de “senso comum”, ou contemporaneamente o “mais comum dos sensos”… que é a causa de boa parte de nossos limites e sofrimentos. Se o nosso mundo fosse um mundo “dado” a mudar a direção da sua Fé e da capacidade “humana’ de apostar direta ou indiretamente no dinheiro, ou seja, dirigi-la no sentido da Fé e na aposta de inventar, de criar, de ousar, de querer o novo absoluto, só então, ou bem mereceríamos o nome de humanos, ou teríamos já virado uma nova espécie, uma “super-humanidade” , que o filósofo Nietzsche soube profetizar. Mas o filósofo nada mais fez que conceituar as invenções dos que nós chamamos de visionários, de gênios, de revolucionários, ou de loucos, sendo que, amiúdo, eles combinam em si mesmos várias dessas condições conjugadas. E tem sido, felizmente, poucos, os imbecis que afirmam que essas capacidades não estão contidas em todos os humanos, assim como no não humano e o sobre-humano, dependendo das oportunidades e da preparação que se lhes confira para descobri-lo ou efetivá-lo. Apenas uma virtude aproxima a todos esses “super-homens”: o desejo do…por assim dizer, o desconhecido, e a Fé nessa aposta. Mas: como denominar a tudo aquilo que transcende os limites de Real, do Possível e do Impossível? Como batizar a Fé na Potência e na Aposta, no exercício da liberdade absoluta… e não no poder, no prestígio e, ao final, no dinheiro…ou no que tudo isso tem a ver com o dinheiro? Como chamar a isso senão política? Porque se pode falar numa política do Real, e do Possível, essa que predomina nos nossos governos, e ainda em muitos partidos políticos, sindicatos, igrejas, quartéis, órgão de imprensa etc. A da corrupção, a incompetência, e ainda a do “senso comum” ou “bom senso”. Pode-se falar até de uma política do impossível, que quer forçar na sociedade aquilo que já foi concebido e tentado sem sucesso. Mas a política, que não pode ser concebida senão como praxe, quer dizer, a interpenetração de todas as faculdades e da ação, a política dos autênticos movimentos menores, atos – eventos – individuações inventivos, produtivos, os acontecimentos – devires previamente imprevisíveis, impensáveis, insensíveis, inimagináveis, impraticáveis, não é apenas a única política que interessa a Vida de todos (porque a vida de uns poucos não merece ser vivida), senão que é a Vida mesma, em todo e quaisquer processo e território nos que ela se desenvolva. Em que cidade (polis) se exercitará essa “polistica”? Nas cidades invisíveis… como lhe chamou o poeta.

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