Autor: Gregorio Baremblitt
1. A brevíssima exposição seguinte implica numa abordagem cuja radicalidade excede o espaço disponível, e a possibilidade de definir os termos empregados, os quais, provavelmente não são de uso habitual dos leitores. 2. Definir pós-modernidade é um desafio insuperável. Por um lado, porque os autores divergem demasiado a respeito, por outro, porque se trata de um processo em desenvolvimento, mutante, ambíguo e enganoso. Podemos escolher dois caminhos para essa tentativa: um negativo e um positivo. O negativo gira em torno de que a chamada crise dos grandes metarrelatos, e, eu diria, das expectativas românticas modernas do século passado tem gerado uma dispersão de cosmovisões e um ressurgimento de neoarcaísmos que compromete seriamente a Ordem do Mundo e da Vida (para empregar termos clássicos da filosofia). O positivo consiste em que a decadência das estratificações, códigos e sobrecódigos, territórios e segmentariedades globais, em suma, os valores modernos e seus equipamentos de implantação e vigilância, propiciam tanto a transgressão como a invenção do novo absoluto. O dito vale para todos os campos da atividade chamada “humana”, embora alguns autores atribuam ao pós-modernismo uma predominância estética. 3. Por sua vez, é de notar que aqui não definiremos perversão pelo seu pertencimento ao campo epistemológico nem clínico das psicopatologias nem da psicanálise. Essas abordagens relacionam inevitavelmente a perversão á subjetividade e ao vínculo supostamente constitutivo entre o desejo e a Lei simbólica (seja como for que seja entendida). Segundo esses pontos de vista a perversão se define por uma ambivalência das vivências e depois da estrutura do perverso entre a convicção de ser o objeto fálico do desejo materno e a pobreza da intervenção paterna, o terceiro que só entra na cadeia significante do sistema materno (único que poderia legitimá-lo) como uma seqüência ordenada, segundo o registro imaginário. Tal composição condenaria o perverso á divalência de uma posição segundo a qual, reconhece a lei paterna como degradada à ameaça ou à derrisão, e conserva a situação de falo do desejo de um outro que, a rigor, não aceita a castração e falta ao tempo que reconhece ao interditor como simulacro de objeto de diversificação do desejo, colocando-se como objeto do desejo de todos (puta) ou como portador de um desejo idealizado de autocompletamento, (a virgem inaccessível). Em todos os casos, o perverso é condenado a humilhar, a devassar ou a violentar a impoluta, assim como a transgredir compulsivamente uma lei nominal sem legiferação procedente. A “perversão polimorfa” infantil, se há tornado una exclusividade repetitiva, não apenas com uma falência do acesso a uma versão consagrada do gozo, senão com a perda da multiplicidade da experimentação libidinal infinita. 4) Segundo a esquizoanálise de Deleuze e Guattari, o poliverso infinito não totalizável nem hierarquizado das pulsões chamadas “parciais”, não se define como polimorfo por relação á parafernália eticoconceitual de um modo exclusivo, exaustivo e excludente, de constituição do sujeito edipiano e de seu desejo faltoso segundo uma lei que o obriga a “versar” segundo a lógica de uma síntese disjuntiva excludente. O poliverso libidinal, que não e parcial porque não é parte de nenhum todo é um recorte dentro da multiplicidade rizomática infinita da realteridade virtual imanente a todos os instituídos organizados e registrados, incluída a ordem e o registro simbólicos. Sua potência consiste em gerar, entre as inumeráveis individuações por heceidade, os acontecimentos e devires novos absolutos, inumeráveis produções de subjetivação singulares, que se entretecem nos dispositivos, agenciamentos e máquinas abstratas que compõem a citada imanência entre realidade e realteridade. Essas montagens, heterogêneas, transversais e maquínicos podem, ou não, compor sujeitos, como peças transitórias e funcionais (como é o sujeito marginal a uma produção desejante, testemunha perplexa do esplendor do acontecimento, ou como diria Espinoza, da “Glória de Deus”. O desejo em esquizoanálise é uma realidade pré-ontológica que só sabe produzir); (por isso produção desejante). As infinitas subjetivações que “oferta” nunca se efetuarão como edipianas porque a constituição edipiana do sujeito é a culminação da implantação do Capitalismo Planetário em vias de integração. Trata-se da única opção de produção de subjetividade que a axiomática do Capital (a entidade lógica suprema que preside ao Capitalismo Planetário Integrado) permite à sua Megamáquina de produção de mercadorias – e entre elas, de sujeitos. A constituição edipiana do sujeito, não é sincrônica nem diacrônica, é simplesmente histórica. Começa nas formações despóticas imperiais asiáticas de soberania, e, depois de una longa trajetória, a Megamáquina do Capital conclui por deslocar seu limite externo (onde ele realmente não pode expandir mais a extração de mais valia e se confronta com o nada assintótico do seu “desejo”), ao “interior” estrutural do sujeito edipiano que reduz a um teatro familiarista as impotências, dependências, proibições e legitimações da sua frustração, privação e castração essenciais. O déspota já legalizado e parlamentarizado, suporte subjetivo do “homem íntimo”. Do capitalismo individualista, competitivo, consumista, narcisista, exibicionista, vouyerista, fútil, sadomasoquista, fascista, genocida, suicida, terrorista de Estado e de não Estado, etc. 5) A rigor as denominações tais como pós modernidade, globalização, neoliberalismo, pós industrial, sociedades de conhecimentos, etc, são apenas sinônimos de uma fase cínica do capitalismo que, até agora, só soube numa década gerar um mundo em que os pobres são mais – e mais pobres, os ricos são menos, e mais ricos, o terceiro mundo se debate na agonia do pagamento de dívidas e os blocos opulentos passam por sérias recessões, grandes dívidas externas, falências bursáteis e bancárias, ameaças de uma terceira guerra mundial terrorista, mentiras bélicoestratégicas, transgressões de todo tipo das fracas entidades depositárias de leis puramente nominais. Á enorme maioria dos Estados, das famílias, das escolas, dos trabalhos, dos espetáculos, dos meios de comunicação de massas, das religiões e muitas disciplinas científicas e acadêmicas, se não estão francamente a serviço dessas tendências, se limitam a protestar mornamente em nome de seus fundamentos e deontologias. SE ISTO E VERDADE, MUITOS DE NÓS SOMOS PERVERSOS E PÓS MODERNOS. Mas não somos perversos no sentido da produção de uma subjetividade que sabe e ignora, que aceita e transgride a lei do simbólico. Somos perversos enquanto sabemos para onde estamos indo e não paramos de gozar sem vergonha dos estertores do destino que nos espera. Somos perversos porque cultivamos estereotipadamente e, supostamente, aperfeiçoamos tecnicamente um modo de produção de subjetividade exclusivo, ignorando todos os outros que nos rodeiam com seus exemplos. 6)Felizmente, a produção de subjetivações multiplicitárias gera incessante e velozmente as de que precisa para os movimentos, organizações, manifestações, estabelecimentos industriais, agrários, científicos, populares, artísticos, militantes, redes de economia solidária, ONGs de gestão arriscada e decidida, membros heróicos e mártires da imprensa, médicos sem fronteiras, etc. O chamado terceiro setor, desigual e disperso na sua composição e ação, é a esperança de um mundo governado pela perversão econômico financeira, pelo poder bélico e pelo cinismo cultural, que já nem sequer pretende enganar a ninguém. A “involução” perversa do capitalismo planetário integrado chegou a um ponto do qual, sinceramente, não sabemos se tem retorno. Mas não é esse mundo que contribui para piorar a patologia dos perversos, independentemente constituídos pelos processos e estruturas do desejo faltoso, da castração fracassada, da lei insuficientemente simbolizada pelo seu registro a nível significante. É esse mundo como rede perversa que os produz e os coloca onde deles precisa.
TERÇA-FEIRA, 15 DE ABRIL DE 2008
* Gregório Franklin Baremblitt é Livre Docente Autorizado da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires e Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte. Tem sido Encarregado da Área de Docência e Investigação do Grupo psicanalítico Plataforma Argentina.